sábado, janeiro 23, 2010

O 1º Jogo da Minha Vida

Numa quarta-feira à noite, meu pai surpreende o até então filho são-paulino com uma pergunta:
- Vamos ver o jogo?
Eu, não sabendo do que se tratava respondi:
- Que jogo?
- Do Palmeiras - Disse ele.
- Contra quem? São Paulo? Respondi.
- Não! Contra o XV de Piracicaba!
- Ah! Tá bom! Respondi, meio desconfiado.

Nunca tinha feito uma coisa dessas com meu pai. Lembro da sensação legal que foi sairmos só nós dois. Conversamos bastante, sobre tudo. Ele me deu conselhos, me mostrou a cidade no caminho para o campo. Eu lembro de perguntar várias coisas. Chegando no Pacaembu fiquei deslumbrado com a atmosfera. Me lembro das luzes dos refletores iluminando o campo. O cheiro das barraquinhas de sanduiche. A movimentação das pessoas, uniformizadas. Parecia que algo muito importante iria acontecer naquele gramado verde, lindo, brilhante. Ao sentarmos na arquibancada, meu pai me fez uma pergunta simples:

- Você é são-paulino ainda?
- Sou! Disse eu, decidido.
- Então fala baixo porque aqui só tem palmeirense! Disse ele, dando risada.

Foi quando o Palmeiras entrou em campo e vi meu pai se levantar e aplaudir, ao mesmo tempo que a torcida gritava "e dá-lhe porco, e dá-lhe porco, olê, olê olê...".
Me empolguei ao ver meu pai todo feliz, gritando com a torcida e eu criança (6 anos), comecei a gritar junto. Ele, ao ver minha reação não disse nada. Só sorriu.
Quando a torcida cantou o hino ele acompanhou. Quando o hino terminou perguntei:

- Me ensina o hino? (Na época só sabia o hino do São Paulo e do Corinthians)
- Claro! Começa assim: "Quando surge o alviverde imponente..."

Não decorei na hora mas ele cantou até o final. Antes do início ele comprou amendoim de casca e comemos deixando a maior sujeira. Mas o estádio estava praticamente vazio e ninguém se incomodou. Foi a primeira vez que vi um jogo inteiro na vida. Lembro de acompanhar alguns jogos na copa de 86, um ano antes, entre uma brincadeira e outra. Não parava para ver essas coisas. Não ligava para futebol. Mas no estádio, a conversa é outra. Fiquei vidrado no jogo, acompanhando com atenção cada lance, por mais ruim que fosse. Ainda não tinha familiaridade com o jogo. Tudo naquele "espetáculo" surpreendia. Até os palavrões! Soltos a torto e a direito! Foi a primeira vez que ouvi a palavra Morfético!!
Quando o Palmeiras fez um gol, lembro de tomar um susto com a gritaria da torcida. Goooooooool!!!!!. A festa que foi. Meu pai me abraçou e começou a cantar "e dá-lhe porco...". Olhava ao meu redor e todo mundo feliz da vida. Nunca tinha visto tanta gente feliz ao mesmo tempo. Que coisa! Quem fez o gol foi um jogador cabeludo chamado Lino. O placar anunciou seu nome. Que craque esse Lino! O jogo continuou com a torcida cantando, chacoalhando as bandeiras (na época ainda podia-se entrar com mastros de bambu), batendo palmas e entoando gritos de guerra e o hino. No final vencemos por 1 a 0. Quando o jogo acabou meu pai olhou para mim e perguntou de novo:

- Você AINDA é são-paulino?
Sem titubear respondi:
- Não! Sou palmeirense!

Então meu pai sorriu novamente, passou a mão na minha cabeça e fomos embora. Não antes de eu pedir para ele me comprar um sorvete e uma camisa igual a dos jogadores. Hoje, olhando para trás dou risada ao ver como funciona a cabeça de uma criança. Aquele time do Palmeiras era ruim demais. Não chegou longe no campeonato. Ficaram de fora das finais perdendo justamente para o São Paulo. O único que se salvava era o goleiro Zetti, ainda em início de carreira. Na época um tio-avô chamado Bráulio fez minha cabeça para eu ser são-paulino. Eu, criança que era, aceitei. Mas, como já disse, eu nem ligava para futebol. Meu pai, palmeirense, filho de palmeirense, Massucatto, neto de "Mazzocatto", sabendo disso, resolveu a questão numa noite só. Fiquei tão deslumbrado com o passeio que ele me proporcionou, com o companheirismo "pai e filho" que criamos aquela noite, que virei palmeirense na hora. Foi a primeira vez que me senti conectado ao meu pai. Algo que era só nosso. Virei palmeirense não pelo time, mas por causa de meu pai. Que São Paulo que nada!

Na verdade ele criou um pequeno monstro, me passou o vírus, pois era uma época de vacas magras, 11º ano de fila sem títulos. Meu amor pelo Palmeiras ficou tão grande, que chorava copiosamente a cada derrota e ele sempre me consolando, ou ás vezes ficando bravo também. E foram muitas frustrações até 12/06 de 1993, 6 anos depois, quando vi meu time ser campeão pela 1ª vez. Mas essa é outra história.

FICHA TÉCNICA:
08/04/1987 - PALMEIRAS-SP 1 x 0 XV DE PIRACICABA-SP - CAMPEONATO PAULISTA
Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho - Pacaembú - São Paulo / SP - Brasil
Público: 4.752 pagantes - Renda: Cz$ 295.950,00
Árbitro: Emídio Marques Mesquita (SP)
Palmeiras (São Paulo/SP): Zetti, Diogo, Márcio Alcântara, Vágner, Renato, Lino, Delei, Edu (Júnior), Gérson Caçapa, Guina, Mauro - Técnico: Minuca
XV de Novembro (Piracicaba/SP): Sidmar, Flavinho, Larry, Ailton Luís, Capone, Serginho, Ronaldo, Chicão, Newton, Toninho (Niquinha), Douglas - Técnico: Chicão
Cartão vermelho: Newton (XV de Piracicaba)
Gol: Lino (Palmeiras), 19 min segundo tempo

Para meu pai...

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